sábado, 22 de novembro de 2008

A Arte Parva Institucionalizada

Doutos e ilustres senhores, vós que gostais de arte parva, aqui tendes - o Dadaísmo:

"Dadá é uma nova tendência da arte. Percebe-se que o é porque, sendo até agora desconhecido, amanhã toda a Zurique vai falar dele. Dadá vem do dicionário. É bestialmente simples. Em francês quer dizer "cavalo de pau" . Em alemão: "Não me chateies, faz favor, adeus, até à próxima!" Em romeno: "Certamente, claro, tem toda a razão, assim é. Sim, senhor, realmente. Já tratamos disso." E assim por diante.
Uma palavra internacional. Apenas uma palavra e uma palavra como movimento. É simplesmente bestial. Ao fazer dela uma tendência da arte, é claro que vamos arranjar complicações. Psicologia Dadá, literatura Dadá, burguesia Dadá e vós, excelentíssimo poeta, que sempre poetastes com palavras, mas nunca a palavra propriamente dita. Guerra mundial Dadá que nunca mais acaba, revolução Dadá que nunca mais começa. Dadá, vós, amigos e Também poetas, queridíssimos Evangelistas. Dadá Tzara, Dadá Huelsenbeck, Dadá m'Dadá, Dadá mhm'Dadá, Dadá Hue, Dadá Tza.Como conquistar a eterna bemaventurança? Dizendo Dadá. Como ser célebre? Dizendo Dadá. Com nobre gesto e maneiras finas. Até à loucura, até perder a consciência. Como desfazer-nos de tudo o que é enguia e dia-a-dia, de tudo o que é simpático e linfático, de tudo o que é moralizado, animalizado, enfeitado? Dizendo Dadá. Dadá é a alma-do-mundo, Dadá é o Coiso, Dadá é o melhor sabão-de-leite-de-lírio do mundo. Dadá Senhor Rubiner, Dadá Senhor Korrodi, Dadá Senhor Anastasius Lilienstein.
Quer dizer, em alemão: a hospitalidade da Suíça é incomparável, e em estética tudo depende da norma.
Leio versos que não pretendem menos que isto: dispensar a linguagem.
(...)
Quero a minha própria asneira, e vogais e consoantes também que lhe correspondam. Se uma vibração mede sete centímetros, quero palavras que meçam precisamente sete centímetros. As palavras do senhor Silva só medem dois centímetros e meio.
(...)
Surgem palavras, ombros de palavras; pernas, braços, mãos de palavras. Au, oi, u. Não devemos deixar surgir muitas palavras. Um verso é a oportunidade de dispensarmos palavras e linguagem. Essa maldita linguagem à qual se cola a porcaria como à mão do traficante que as moedas gastaram. A palavra, quero-a quando acaba e quando começa.Cada coisa tem a sua palavra; pois a palavra própria transformou-se em coisa. Porque é que a árvore não há-de chamar-se plupluch e pluplubach depois da chuva? E porque é que raio há-de chamar-se seja o que for? Havemos de pendurar a boca nisso? A palavra, a palavra, a dor precisamente aí, a palavra, meus senhores, é uma questão pública de suprema importância.

Zurique, 14 de Julho de 1916"


Manifesto dadaísta, por Hugo Ball


E aqui têm o ex-libris das obras dadaístas, pelo genial Marcel Duchamp, que explorou até ao limite a grande questão: o que é arte e o que não é arte?

7 comentários:

Escravo do Dó Ré Mi disse...

Que parvoíce.
Mas é uma parvoíce que levanta muitas perguntas e incomoda muita gente.
Decerto tu, Benjamim Natura, conheces este movimento melhor que eu; em todo o caso, isto do Dadaísmo é justamente um ponto extremo de confusão mental: é ilógico e absurdo e irracional.
Muitas vezes uma pessoa começa a pensar de mais e põe tudo em causa. Daqui se extrai outra pergunta: o que é a loucura? São estas e outras perguntas, como "o que é e não é arte", ou "o que é música e o que é ruído", e até mesmo "com que fim estou eu a escrever tudo isto", são perguntas como estas que nos fazem pensar um bocadinho mais do que o vulgar burocrata, e nos tornam por isso mesmo mais profundos que ele.
Não podemos, penso, pensar demasiado, senão a confusão é tanta que perdemos a lucidez.
É preciso equilíbrio.
Ou não

Benjamim Natura disse...

Escravo Dó Ré Mi, sem loucura as coisas ficam paradas.
Eu cá acho que a Arte é a busca da Arte através de tudo; a música é a busca da música através do ruído; a pintura é a busca da pintura através da cor e da forma...
Se o ser humano não andasse à procura, constantemente a negar-se, a contradizer-se, não haveria conhecimentos.
O conhecimento é fruto da loucura!
Pensar é ser louco! Tentar destruir o rumo estúpido, mesquinho, duma pequenez tão pequena que não pode haver coisa tão pequena, do real!

Por exemplo, nós, católicos, procuramos seguir um exemplo, que é o de Jesus Cristo. Se não fôssemos loucos e não criássemos paradoxos, já tínhamos encontrado, não andávamos à procura. (porque é que Deus nos fez; porque nos fez livres; para que é que precisava do universo?; para ter gente a adorá-lo? então porque deu a liberdade de o adorar ou não? porque ele quer que o amem e o amor não pode ser uma imposição? então como raio o amor não é uma imposição se é uma imposição o facto de amarmos?..etc e etc...)Mas se já o tivéssemos encontrado e não andássemos à procura parávamos, e inevitavelmente procuraríamos outra coisa (o diabo?...).
Porque nenhum humano concebe o princípio da vacuidade das religiões orientais nem o do absoluto das religiões monoteístas, porque se uma coisa fosse vazia nem sequer podia ser vazia, porque isso já era algo mais do que vazia, porque tinha o vazio, mas deixava de o ter... Se uma coisa é absoluta também tem que ter lá o não-absoluto, porque senão não tem lá tudo, mas se tiver o não-absoluto deixa de ser absoluto... e por aí fora. Graças a esta loucura, não estamos parados espiritualmente.
Deus tem que ser uma coisa maior do que este absoluto que nós não imaginamos, tem que ser o Absoluto absoluto; porque o amor é uma coisa absolutamente mais absoluta que o absoluto que não encontramos a nada.
Só que, paradoxo dos paradoxos, não é procurando que amamos e encontramos deus e conseguimos ser, por instantes, como Jesus quer (ou quase como Jesus quer)?

Pensar é perder a lucidez, é procurar essa loucura que é o sentido destas coisas todas e de mais algumas que não sabemos o que são.

O Dadaísmo quer transmitir todos os paradoxos possíveis da mente humano e mostrar como tudo é uma invenção e que por isso se pode inventar outras coisas, porque essas invenções vão ser tão loucas quanto as invenções loucas que já existem... O Dadaísmo desprende-se da busca e conforma-se, por isso, paradoxalmente, é a forma de fazer arte mais lúcida que existe, menos louca que existe, ou seja, É UMA PARVOÍCE ("Um Dada, para ser Dada, nem sequer é um Dada", já dizia Tristan Tzara)

Escravo do Dó Ré Mi disse...

Caro Benjamim Natura, é Escravo do Dó Ré Mi, não Escravo Dó Ré Mi.
Mas em relação a tudo o que disseste, isto não interessa nada.
Não percebi uma coisa ( entre outras): tu dizes "O Dadaísmo quer (...) mostrar como tudo é uma invenção e que por isso se pode inventar outras coisas". Mas mais tarde vens dizer que "O Dadaísmo desprende-se da busca e conforma-se". Então?
Tudo isto é um grande paradoxo.
Mas então gostava de saber uma outra coisa.
O que é um tipo a falar sozinho na rua, a gesticular sozinho e com um ar tonto? É aquilo a que vulgarmente a sociedade chama de louco, de doido. Mas é mesmo? Por favor, diz-me o que é ele.

Benjamim Natura disse...

Normalmente, os artistas tentam definir o que é a arte, ou pelo menos tentam fazer "objectos" (coisas apreendidas por sujeitos) artísticos. Eles (nós) inventam(inventamos) a linguagem, que é o mesmo que o símbolo, e constroem (construimos) tudo a partir dela. Os Dadaístas dizem, basicamente, que eles inventaram essa linguagem como podiam ter inventado qualquer outra. Assim, o conceito de cultura e o juízo de valor não são possíveis, tão pouco o de arte, porque os juízos do valor e do gosto nascem puramente da metafísica das coisas, do que elas simbolizam para nós e nós vêmo-las como as inventamos, isto é, somos um sujeito que pega num objecto e mete-lhe invenções ("gosto porque é lindo e faz-me lembrar outro objecto", "gosto porque esta cor faz-me lembrar o mar", "não gosto porque me irrita e não consigo tentar gostar porque me repugna", etc etc; "este acto é imoral porque prejudica" - quem disse o que é imoral e o que prejudica? - uma invenção nossa, necessária, para ser possível a vida em sociedade [e aqui entra, sem dúvida, Deus, o Amor, mas isso é uma maneira de ver e, para os dadaístas, é também uma invenção, um símbolo, e talvez seja, mas é necessário - não me importa que deus exista ou não, importa-me que essa invenção, que pode muito bem ser verdadeira, me inquiete e me faça buscar o que é o bem]). Um criador faz o mesmo: pega numa ideia, numa imagem (na imaginação), inventada, e tenta transmiti-la, torná-la física, tangível aos sentidos.
Os dadaístas conformam-se com o facto de que toda a forma do ser humano ver o real é uma invenção, e, por isso, por essa lucidez terrível, angustiante, impossível de ultrapassar, lhes resta simplesmente brincar aos cowboys, inventar mais linguagens e mais mundos além mundo, porque vão ser todos loucos, porque vão ser todos parvos, e, por isso, mais vale serem o que nós quisermos na altura (Álvaro de Campos já dizia: "O impossível tão estúpido como o real")

Esses a que chamas loucos, pura e simplesmente inventaram uma coisa diferente da tua, e por isso não podem ser considerados iguais a ti, porque inventaram coisas que na invenção louca da sociedade louca são uma loucura fora dessa loucura da invenção da sociedade; ou então acrescentaram coisas loucas que não existem à loucura das interpretações das coisas que existem; ou então não têm a capacidade para fazer nenhuma destas coisas, mas, nesse caso, não são loucos, porque o pensamento deles não chega a dar juizos estéticos, éticos e metafísicos às coisas, são seres humanos sem liberdade, moralidade, cultura, seja o que for e, para nós, que nascemos com as premissas mentais de fixar as coisas, destrui-las, voltar a montá-las, arranjar soluções e problemas para as soluções e mais soluções para os problemas das soluções..., não os conseguimos considerar iguais a nós, porque a loucura deles não é esta, é o negativo desta.

E aí tens a razão pela qual somos todos loucos, segundo os dadaístas (eu cá acho que se começa a destruir a loucura quando se busca o que é o Amor, ou seja, o que é Deus, mas nem pensar, não desejo descobrir o que é, desejo apenas procurar, que se descobrir é porque estou mesmo louco, porque era o mesmo que tornar possível o impossível)

Sapatinho disse...

Eu gosto imenso de pensar nestas coisas e o mais giro é que tudo o que foi dito aqui é exactamente aquilo que eu penso. No meio de tanto texto já nao sei se alguém disse aquilo que eu vou agora dizer portanto se acharem que estyou a repetir nao pensem "Mas que granda ******************* aquilo eu já disse". Eu acho que o que nos distingue mesmo dos animais é a loucura sem sombra de duvida. Todos sabemos que um dia vamos morrer mas enquanto estamos vivos estamos constantemente a fazer coisas estranhas, isto é, coisas que quando vistas pelos animais são absurdas. Já pensaram no que pensa uma vaca quando estamos a falar com ela?
Em tempos existiu uma pessoa louca chamada Fernando pessoa que deixou um poema que vocês já devem ter lido de certeza e que concorda comigo.

D. SEBASTIÃO
Rei de Portugal

Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

Fernando Pessoa, in Mensagem

Escravo do Dó Ré Mi disse...

Esse gajo, esse Fernando, ou lá o que é, esse hajo é bom.
Pensava muito. Depois achou que não devia pensar muito, e sentiu muito.
A loucura é uma coisa boa. Mas se é em demasia é prejudicial, eu acho.

Benjamim Natura disse...

Pensar é sentir com ideias
"Sentir é pensar sem ideias" -
Álvaro de Campos
Quem pensa está a meter ideias nas sensações
Quem sente está a pensar sem pensar em nada


Por isso ele fez as duas coisas sempre, eheh

Um louco igual a todos os loucos que há no mundo.

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce

Viva o Sapatinho
Viva o Escravo do Dó Ré Mi
Viva o Caveira 3
Abaixo o Óscar
Viva o Doutor X

Demos vivas aos maus da fita
Que somos nós todos
Que pelos vistos os loucos
são os maus da fita

Mas quem não é louco
Só pode ser um animal
Ora tomem lá
Todos os que não são loucos
Vocês são uns animais

Eu e o sapatinho e o escravo
e o Sr. Fernando
Somos gigantes Dons Sebastiães
Gingando pela rua
Ao som de Lou-cura
(que o Reed não presta)